Das minas de Potosí à confusa Uyuni

A impactante chegada à Potosí me fez querer apenas descanso na noite do dia 19. A única coisa que fiz, além de procurar o hostel, que acabou se tornando hotel fuleiro mesmo, foi comprar um tour para as famosas minas de Potosí, que se iniciou na manhã do dia 20. Visitar as minas estava no meu roteiro inicial, mas acabei fechando esse tour mais no impulso do que de forma consciente. Os efeitos da altitude foram pesado em meu corpo e não tava certo de que iria aguentar uma caminhada longa nas minas. Estou escrevendo este texto, com saúde e saudoso da viagem, portanto... deu tudo certo.

Grupo que participou no tour nas minas de Potosí. Repare no
contraste entre os turistas felizes, e eu me inclui, e o mineiro cansado e cabisbaixo.


20/12/2014 - 5º dia


Que "El Tío" vos abençoe!


A manhã do dia 20 foi muito mais agradável do que a noite do dia anterior. Acordei cedo, cerca de 2 horas antes do horário combinado para o início do tour. Deixei logo tudo arrumado, pois já estava decidido que eu não passaria mais uma noite naquele hotel. Na cidade talvez. Fui então para a praça central e fiquei ali alguns bons minutos tomando sol e observando a decoração (brega!) de natal. Mas não consigo ficar muito tempo parado no mesmo lugar e resolvi caminhar pela cidade, mesmo após ter vivido o que vivi. Dessa vez fui mais prudente, andei devagar, não fui para tão longe e parei em um mercado da cidade, onde tomei um delicioso chá de coca.

Retornei e esperei na frente da agência turística, local de saída combinado. Encontrei por lá um holandês, tivemos uma rápida conversa e descobri que ele iria participar também. Logo depois foram chegando as outras pessoas, um rapaz de taiwan, um inglês e um sueco juntamente com o seu filho, que provavelmente não tinha nem 10 anos. Quando vi o garoto pensei que ia ser um passeio tranquilo. Me enganei.

Estávamos na Bolívia, mas a língua utilizada pelo guia foi o inglês, pois todos os outros compreendiam melhor. Entrei na onda e acabei saindo um pouco prejudicado no entendimento da história local e do que se passa nas minas, porém nada disso prejudicou a insana experiência que tive. É sempre bom lembrar que o adjetivo utilizado para o tour varia de pessoa para pessoa. 

Comprando presentes para os mineiros
Comprando os presentes
O início de tudo foi em uma pequena tenda onde os guias levam os turistas para que estes comprem alguns presentes para oferecer aos mineiros, algo muito comum de ser realizado. Entre os "regalos" havia uma bebida com 97% (sim, não digitei errado) de álcool, cervejas, folhas de coca (o meu primeiro contato com a sacola verde), um suco de laranja (?) e dinamite (!). O álcool, juntamente com as folhas de coca, é utilizado para aliviar os efeitos do sono, fome e cansaço. Comprei um saco de coca, a bebida com 97% e uma garrafa de suco. O holandes maluco comprou umas 6 garrafas de álcool, muitos sacos com folhas de coca e muitas cerveja. Era o bad boy da galera, como ele mesmo dizia. E foi ele quem puxou o brinde com a bebida de álcool. Cada um tomou uma tampinha, com exceção dos suecos. Desce rasgando, como era de se esperar, e não é nada bom. Mas lá dentro das minas tomei mais outra tampa, em homenagem a "El Tío", uma entidade que oferece proteção aos mineiros. Daqui a pouco falo mais sobre isso.

Recebemos também alguns equipamentos necessários para um passeio sem acidentes. Roupa adequada, capacete, botas, máscara de proteção, uma bolsa para guardar os presentes e uma lanterna. Na entrada da mina já pude ter uma mostra de que a experiência seria inesquecível: um buraco negro onde não se via nada. Entramos e o tour finalmente se iniciou. O caminho nas minas foi completamente louco. Talvez a experiência mais impressionante que tive em minha vida, onde andei cerca de 2km no meio das pedras, respirando somente o ar contido ali dentro, tendo que se abaixar várias vezes para não bater a cabeça nas madeiras de sustentação, tomando todos os cuidados para não escorregar e ao mesmo tempo desviando dos mineiros que estavam ali realizando o seu trabalho diário. Os primeiros metros foram os mais tranquilos, pois naquela região o caminho tem maior altura. Paramos em vários momentos para tirar fotos e observar alguns mineiros trabalhando. 

Mineiros trabalhando
Trabalhadores nas minas de Potosí
As condições de trabalho são desumanas e a motivação para se trabalhar ali é a falta de emprego na cidade de Potosí, mas o salário acaba não sendo tão maior assim.Tudo depende dos mineirais que você encontra lá dentro. O que não depende disso é a saúde, que inevitavelmente é prejudicada por conta dos gases tóxicos. O perigo das dinamites também é uma constante ali dentro e a expectativa dos homens que trabalham ali é entorn de 40 e 45 anos. O governo da um ou outro auxílio, existem cooperativas que também ajudam, mas, obviamente, esta longe de ser o suficiente. Trabalho desumano, essa é a expressão que insisto em repetir. 

Deus dos mineiros de Potosí
El Tío
Já na segunda metade do tour tivemos que passar por um momento de risco, o primeiro de muitos nesse mochilão. Subimos três andares em escadas que de seguras não tinham nada. Com muita calma fomos subindo de um em um e nenhum acidente aconteceu. Fizemos essa subida para chegar em "El Tío". O ambiente naquele pequeno templo religioso é assustador. A imagem de "El Tío" é semelhante ao que conhecemos como diabo. Sentamos todos ali e acompanhamos o nosso guia repetir o que os mineiros realizam costumeiramente, tomando um pouco do álcool, jogando outro pouco aos pés da divindade, fumando um cigarro, etc, etc... Fazem isso para que "El Tío" os proteja de problemas que possam ocorrer nas minas. 

Fomos então para a parte final nas minas. Esta parte foi complicada para minha coluna, pois as madeiras de sustentação estavam cada vez em uma altura mais baixa. Foram frequentes as batidas de cabeça. Caminhamos por mais alguns minutos e fizemos a última parada, onde acompanhamos o trabalho de um dos mineradores, brincamos de trabalhar também e ouvimos o depoimento dele sobre como é trabalhar naquelas condições. Ele está na foto inicial do post, cabisbaixo e aparentemente cansado. Os mineiros possuem uma das bochechas inchadas devido ao tanto de folhas de coca que consumem ao longo da vida. 

O final do tour foi feliz por ter conseguido concluir uma difícil caminhada de 2km, mas ao mesmo tempo triste por saber que existem seres humanos trabalhando naquelas condições. Na realidade todos temos conhecimento de que muitas pessoas trabalham em condições até piores do que os mineiros, mas presenciar é muito diferente do que simplesmente saber. Que "El Tío" os proteja!

Após essa experiência eu estava acabado. Basta fazer uma conta simples de altitude mais esforço dentro das minas que o resultado você já pode imaginar. Minha passagem por Potosí se encerrou ali mesmo. Voltei para o hotel, peguei minha mochila, comi algo e parti em direção ao terminal rodoviário. Lá conheci dois capixabas que também iam partir para Uyuni e acabamos pegando o mesmo ônibus, juntamente com algumas outras figuras que iriam reaparecer no deserto. Minha cota de Potosí já se esgotou.


A balada de Sábado à noite


As viagens de ônibus na Bolívia foram sempre episódios à parte. Os motoristas, ao contrário do que li em alguns relatos, sempre guiaram bem os veículos, porém não eram tão bondosos com algumas mulheres que entravam para vender os seus quitutes bolivianos. A cada parada eram cinco ou seis mulheres subindo e começando a vender de tudo. Pães, bebidas, frutas, doces, salgados de qualidade duvidosa e algo semelhante a um sorvete. O problema é que elas ficavam dentro do ônibus e em um determinado ponto da viagem os motoristas as largavam no meio do nada! Reparei que em muitos momentos elas faziam o caminho de volta a pé. Tadinhas...

A viagem para Uyuni foi bem tranquila e o problema todo foi quando chegamos lá. A cidade é bem feia e mal cuidada, o que me fez pensar na hora nos motivos pelos quais isso acontece, pois o salar de Uyuni é talvez o principal destino turístico na Bolívia. Pois bem, combinei com os capixabas de realizar o tour guiado com eles. Os grupos saem diariamente às 10:30  da manhã, em geral com seis pessoas. Existem inúmeras agências turísticas em Uyuni que fecham esse pacote, mas demos o azar de chegar na cidade em um sábado à noite, por volta das 9 horas. Estava quase tudo fechado.

Entrada da cidade de Uyuni
Assim que colocamos os pés em Uyuni uma senhora veio nos oferecer um pacote. Respondi educadamente que não e sai com os rapazes procurando uma agência, mas ela veio nos seguindo, falando, falando e falando. Percebemos que tudo estava fechado e ela nos levou a um hostel barato. Chegamos lá e ela nos falou em valores. Inicialmente nos ofereceu um tour por 180 dólares, o que eu já sabia que era uma facada. Planejei fazer o tour de 2 noites e li em relatos que o valor médio era de 120 dólares. Oferecemos 90 e acabamos fechando o valor em 120 com a diária do hostel inclusa. Falamos que íamos pensar, pois foi tudo muito rápido e não havíamos andado bem pela cidade para ver outras agências. Ela avisou que não íamos encontrar nada por conta do horário, mas mesmo assim insistimos e fomos atrás. Andamos um pouco e ela estava correta, tudo estava realmente fechado. Resolvemos fechar então com a agência dela pelo valor relatado. Como foi tudo muito inesperado não me recordo o nome da agência. 

Inicialmente pensei que pudesse ser um golpe, pois foi tudo realmente rápido. Não tivemos tempo nem mesmo para respirar e ela já estava na nossa cola, mas arriscamos e até perguntamos para a atendente do hotel se era confiável. Ela respondeu que sim. No final deu tudo certo e tivemos a sorte de pegar um guia super prestativo, conhecido como Jedi. Nos próximos posts vou falar mais de um dos melhores momentos da minha vida, o tour de 2 noites pelo Salar de Uyuni. 

Um comentário:

  1. Oi! Vou fazer uma viagem pela Bolívia e Peru em setembro de 2015. Continua o relato....esperando ansiosamente pela parte do Peru.

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